Segundo dados do Panorama do Câncer de Mama, o país alcançou 23,7%, muito abaixo da recomendação de 70% para as mulheres na faixa etária-alvo
No Brasil, o câncer de mama continua sendo o tipo que mais atinge mulheres. E, embora a detecção precoce por meio dos exames de rastreamento – realizados quando ainda não há sintomas – seja a principal ferramenta para salvar vidas, ela ainda não é uma realidade para todas. Segundo dados do Panorama do Câncer de Mama 2025, elaborado pelo Instituto Natura em parceria com o Observatório de Oncologia do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, apenas 41,7% das mamografias de rastreamento realizadas no SUS entre 2023 e 2024 foram feitas por mulheres negras.
Esse número evidencia uma desigualdade preocupante no acesso ao exame. Quando analisada a porcentagem de exames realizados por mulheres amarelas, a participação foi de 11,5%. Já entre as indígenas, apenas 0,1% realizaram o exame no biênio de 2023-2024. Já o total de exames em mulheres brancas representou 46,8%. Um retrato que evidencia a desigualdade no acesso à saúde no país.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de uma taxa de cobertura mamográfica de 70%, entre mulheres de 50 a 69 anos, bienalmente. No Brasil, segundo dados do Panorama do Câncer de Mama, o país alcançou apenas 23,7%, muito abaixo ainda da recomendação.
“O Panorama do Câncer de Mama 2025 traz um retrato alarmante de como o cuidado com a saúde feminina ainda está longe de ser equitativo no Brasil. Para mudar essa realidade, é preciso fazer muito mais do que campanhas pontuais. O cuidado com a saúde das mamas deve começar na atenção básica e seguir com acesso aos exames, diagnóstico e tratamento em tempo oportuno“. Afirma Mariana Lorencinho, líder de Saúde das Mulheres do Instituto Natura.
Novos casos de câncer de mama por faixa etária
Entre 2015 e 2024, foram notificados quase meio milhão de novos casos de câncer de mama no SUS. As faixas etárias que concentraram mais diagnósticos foram as de 50 a 59 anos (26,5%) e 60 a 69 anos (24,9%). Esse grupo é justamente o público-alvo das políticas de rastreamento. Ainda assim, chama a atenção o número de casos registrados entre as mulheres mais jovens, de 30 a 49 anos, que representaram 31,4% do total. Já entre as mulheres abaixo de 30 anos, o percentual foi de 2,2%. Já as mulheres acima de 69 anos completaram 15% dos diagnósticos, o que indica a necessidade de estratégias específicas para essas faixas etárias.
Apesar da existência das Leis nº 12.732/2012 e nº 13.896/2019, que garantem prazos para diagnóstico (até 30 dias) e início do tratamento (até 60 dias), esses limites ainda são desrespeitados. Muitas pacientes não recebem atendimento dentro desses prazos. De acordo com o Panorama do Câncer, o tempo médio na ordem histórica entre o diagnóstico de câncer de mama e o início do tratamento foi de 182 dias. Em 2023, último ano com dados disponíveis, esse tempo chegou a 214 dias — ou seja, 154 dias acima do recomendado pela lei.
Leis descumpridas atrasam tratamento
“As Leis dos 30 e 60 dias representam conquistas importantes no direito à saúde de quem enfrenta o câncer. Mas infelizmente, no Brasil, essas leis ainda são amplamente desrespeitadas. Mulheres com câncer de mama, como vemos aqui no Panorama, frequentemente esperam meses entre a suspeita, o diagnóstico e o início do tratamento, enfrentando filas, falta de estrutura e desorganização nos serviços públicos. O tempo, que deveria ser aliado na cura, acaba se tornando um grande desafio. É inaceitável que, com leis em vigor, pacientes oncológicas ainda morram esperando por atendimento. Garantir o cumprimento dessas legislações é uma questão de responsabilidade do Estado, de gestão do sistema de saúde e, acima de tudo, de respeito à vida”, comenta Dra. Catherine Moura, líder do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer e médica sanitarista.
Para Nina Melo, coordenadora de pesquisa do Observatório de Oncologia, é urgente implementar soluções práticas e coletivas que assegurem esses direitos em todas as regiões e grupos sociais. “Infelizmente, o que se vê é uma grande dificuldade de acesso, que compromete o tratamento e as chances de cura”, diz.
Produção de mamografia e cobertura mamográfica no Brasil
A pandemia de COVID-19 também impactou fortemente o cuidado com a saúde das mamas. Em 2020, o número de mamografias caiu 41,1% em relação a 2019. Em 2021, a queda foi de 17,5%. Embora 2022 e 2023 tenham registrado leve recuperação, com crescimento de 1,5% e 5,7%, respectivamente. Em 2024 houve uma queda de 1,5% na produção de mamografia.
Quando se trata da taxa de cobertura mamográfica — que se refere à capacidade de oferta de exames para a população-alvo a cada dois anos —, em 2024 ela foi de 23,7%. O índice ainda está muito aquém da recomendação da Organização Mundial da Saúde.
Ao observarmos o estadiamento ao diagnóstico no período histórico (2015-2023), é importante analisar que o percentual de casos avançados nas mulheres da faixa etária alvo de rastreamento é 12,45% menor que nas mulheres fora do grupo etário de referência. Entre as mulheres de 50 a 69 anos, os casos em estágio avançado chegaram a 35,3%. Já a porcentagem de estadiamento tardio vai aumentando conforme diminui a idade. Entre 40 e 49 anos foram 39,9% dos casos; entre 30 e 39 anos, 47,8%; e entre 20 e 29 anos, 55,6%. Já para o último ano do estudo (2023), o diagnóstico tardio para 50 a 69 anos foi equivalente a 32%, 40 a 49 anos, 36,6%, 30 a 39 anos, 46,3% e 20 a 29 anos, 56,9%.
Desigualdade racial no câncer de mama
Em relação à raça/cor, o Panorama do Câncer destaca que as mulheres brancas apresentaram uma situação mais positiva em comparação com as mulheres negras. No período histórico (2015-2023), enquanto a proporção de diagnósticos em estadio 3 ou 4 para mulheres brancas foi de 35,7%, as mulheres negras apresentaram proporções de diagnóstico de 44,4%. No último ano, esses números foram 33,7% e 41,9%, respectivamente.
Quando olhamos para os dados de mortalidade, apenas em 2023, o câncer de mama foi responsável por 20.399 óbitos no Brasil. Esse é o maior número já registrado, com um aumento de 5,4% em relação a 2022.
As faixas etárias com maior número de óbitos para 2023 foram as de 60 a 69 anos (22,4%), 50 a 59 anos (22%) e 70 a 79 anos (18%). Em relação à raça/cor, 57,2% das mortes ocorreram entre mulheres brancas, enquanto as mulheres negras responderam por 42% dos óbitos registrados no último ano analisado (2024).







